Doutro calor e nova descoberta
Se desfaz sob a hora que anoitece.
Brilham lumes no céu? Sempre brilharam.
Dessa velha ilusão desenganemos:
É dia de Natal. Nada acontece
José Saramago, Os Poemas possíveis
Aqui se retrata a dualidade da pena: a escrita e o fado!
Nos olhos da minha Mãe
há um mundo que eu não vi.
Nas memórias que ela tem
estão mil livros que não li!
Nas portas da alma dela,
nos seus olhos cintilantes,
brilha bem fundo uma estrela
que guia os meus passos, errantes…
Eles negam a tristeza
nas cataratas do olhar,
como se a água tão presa
tivesse pressa de mar…
Pois mesmo que falte a cor
desse arco-íris cansado
serão sempre a luz maior
do meu ser inconformado.
Já te disse todo o prazer, tranquilo
Que toda tu transpiras
Ou desse desejo imenso e d'alegria
Que tu tens e contagia?
Enquanto digo, faço
E deslizo pelos teus braços
As mãos nos seios e nas pernas
Nesse espaço onde me fazes
Crer enfim que tudo o mais
É fantasia..
Subo e desço sobre os lábios
Entre os dedos dos teus pés
E no frenesim da fome a saciar
Assim viajo...
Vou e volto
E a boca então te conta
Entre dentes, no pescoço
E nas coxas entreabertas
Mil histórias indecentes.
E nos olhos tu me dizes a loucura
Da tua vontade de mim
Deste meu/teu corpo suado
Que a teu pedido t'invade.
Tocas-me e tudo o resto é nada
Nas minhas pernas, no peito
Onde cravas essas unhas, como querendo
Aprisionar o tempo...
Fazes pausa e dizes baixo
Tudo o mais por explicar,
Sem pudor e sem receios
E deixas-te ir
E apeteces...
Vens e vais
Sentindo nos meus lábios, tão sedentos
E no meu corpo assim tão quente
A força do teu fogo...
E adormeces.
Entra em mim…
a frase que eu anseio ouvir,
mais que pelo prazer de entrar
- intenso e mágico –
por ser assim,
parte de ti!
Que me peças que cavalgue no desejo
e que conheça os pastos todos,
os teus vales e montanhas
oferecidos,
beijo a beijo,
em cada parte de ti!
Entra em mim, bem devagar,
dizes tu de olhos fechados,
nua e bela…
como cada madrugada
e eu, no espanto de te olhar,
sendo assim, parte de ti!
Vem, no murmúrio do poder
com que levantas a espada
com que te faço Rainha
e tu… vais de desejada
ao cume mais alto do prazer
para voltar a partir.
E no renascer mais puro
quando pedes excitada
- entra em mim, de novo –
aquece e vibra este meu corpo,
rebelde e duro,
nesse, teu, que me enlouquece.
Em inglês será só flirt,
para mim é sedução.
É estar aqui, só p’ra ver-te
controlando a tentação.
Não dizer, insinuando,
morder sem poder tocar.
É andar assim, brincando,
mesmo à porta, antes de entrar.
Ver o filme em pré-estreia,
antecipar movimentos.
Ser a vítima na teia
dos teus planos, pensamentos.
Dizer-te o mundo em metáfora
e alimentar os enganos.
Usufruir da demora
e rir contigo dos danos.
É acabar com o mote
a que este poema dá vida.
Leonor esquece o pote
anda lá… o chão convida!
Eu juro que não complico
que me entrego no teu beijo.
Deixo fluir o desejo
que me calo, quase grito.
E assim viajo contigo
vou aos céus, perco o juízo.
Bebo os teus lábios e o riso
beijo os teus olhos e sigo.
Passeio os dedos tremendo
nas tuas coxas ardendo.
Faço de ti minha estrada.
Sou o querer natural
desse teu corpo animal
que faz do resto mais nada.
Mergulho nos teus olhos que me aquecem
devoro esses teus lábios, atrevidos
e desço p’los teus ombros, já mordidos
parando nos teus seios, que apetecem.
Neles me encontro então, fora de mim
sentindo-lhes inteiro o seu sabor,
o aroma da mulher, o seu calor,
destino do prazer, primeiro fim.
Descendo vou fazendo mais caminho
bebendo em teu umbigo doce vinho
sentindo mais prazer, antecipado.
E beijo ess’outros lábios que já são
rastilho pró meu fogo e explosão
absinto em meu corpo embriagado.
Que importa se é Amor ou só desejo
a chama que me anima se te vejo
se torna esta canção alegre fado.
Três variações sobre o mote:
“Teu corpo arde em mim
todo o teu corpo é frescura.”
1ª Variação
Ai neste dia que passa
se ele aquece sinto falta
do teu corpo que me abraça
que me acalma e sobressalta.
O meu corpo estremece
só por ter falta do teu.
Se ele tarda apetece
Ai acabar com o meu.
Se o teu corpo arde em mim
só posso acalmar a chama
quando o teu corpo por fim
me oferece a tua cama.
O teu corpo é então frescura
o alívio que preciso
e por isso o meu procura
meio louco esse teu riso.
O teu riso é o meu sustento
o teu corpo é a minha casa.
Toda tu és alimento
e nós juntos sempre brasa.
2ª Variação
Tu és no fundo o mistério
toda a força que há no mundo,
a gravidade maior
que nos puxa e mantém firmes.
És o estranho magnetismo
que atrai quanto repele.
És a força do abismo
entranhada em minha pele.
Tu queimas, quanto alivias
tu gelas quanto aqueces.
És a peça que faz falta
pra eu ficar incompleto.
Sem ti não posso viver
contigo sou menos eu.
Quando chegas ardo todo
se tu partes morro logo.
Contigo não posso ser
sem ti meus olhos são cegos.
Quando partes morro sempre
quando chegas morro em ti!
3ª Variação
És isso, miúda és isso.
Que é difícil compreender-te.
Pior do qu’isso só mesmo
poder saber entender-me.
Quem arde em mim não és tu
é a força do desejo.
E este fogo só se apaga
mais que num beijo, em ti.
Eu quero arder no teu corpo.
Entrar em ti com meu fogo
e libertar-me enfim
jogando contigo teu jogo.
És fresca, deixa dizer-te
porque sabes à manhã...
porque no momento de ter-te
és fresca como a maçã.
Que o teu corpo arda em mim
faz sentido se na cama
abraçados, mais do que isso
somo um corpo que se ama.
De que te falo
quando escrevo os meus poemas?
Como digo o mundo
quando o visto com palavras?
Que um poema é Liberdade
tantas vezes…
mesmo quando preso
nos caminhos mais prováveis.
Liberta-se em soneto a minha voz
cantando os rios todos que há no mundo
buscando insaciável o mais fundo
do ser que vive só dentro de nós.
Inspira-se nas curvas que são tuas
feitas minhas na força de as olhar.
Solta-se nos meus sonhos de acabar
cativo entra as tuas pernas, nuas.
São letras à procura das palavras
palavras à procura dos sentidos
memórias dos meus dias já vividos.
São peças dos mistérios que me davas
na força destes verbos em fusão
fazendo de nós próprios a paixão.
Os versos que te digo serão sempre
epílogos de histórias por escrever
navios feitos d’árvores por nascer.
De que te falo
no sussurro destes versos
transformando o meu mundo
no Universo que calavas?
Que um poema é Liberdade…
tantas vezes,
solto nos ouvidos de quem escuta
à procura de sentidos improváveis.
Pode ser que no princípio
fosse o teu corpo apenas…
Como se a fome toda nos silêncios se inventasse…
Pode ser…
que só por isso eu te amasse.
Como pode ser até
que ao mergulhar em ti,
nesse teu mar de riso e de palavras feito,
pudesse ser apenas eu
naufragando no teu peito .
Tudo começa por ser nada…
como se o caminho todo do desejo
fosse pedra em fogo
e cada um de nós
promessas por fazer… um logro…
Podemos ser tudo isso
que nada nos impede de ser nós…
Vivos nas mãos que se tocaram
nos beijos trocados por palavras
nos corpos que se amaram…
Podemos ser o fim…
O tempo gasto dos meus dedos
na procura do prazer dos dias
que nada nos roubará o gosto
que eu tinha quando rias…
Como se o meu princípio e o meu fim
fosse a cama em que deitavas
os teus olhos meigos, às vezes puros
e eu fosse o marinheiro apenas
nos teus mares inseguros.
Tudo pode ser…
porque amei em ti o vento
porque tive em ti o mar…
Nos teus lábios feitos sal
feitos mundo a inventar.
Haverá sempre palavras por dizer,
que se soltam no fundo dos teus olhos,
na malícia toda do teu sorriso
como se fossem todo o ar preciso.
São sentidos à procura doutros verbos,
outros dedos nos caminhos do teu corpo.
Notas soltas na tua pele macia
enquanto frágil eu inspiro cada dia.
Horas breves em que enfim encontro,
perdido nos teus lábios, quando riem,
trocando assim meus passos, já perdidos,
outro fogo que me dá novos sentidos.
É então que o tempo todo enfim suspende
a lógica improvável dos caminhos
e doce, infinitamente doce, insinua
este mar revolto nessa praia, nua.
Há uma ideia persistente
dentro de mim, noite e dia.
Que faz de mim um optimista
e que mantém a alegria.
E em cada desgraça que vejo
em cada momento de dor
não posso deixar de pensar
que podia ser bem pior…
Se um barco se encontra perdido
e vem à costa afundar…
podia ser bem pior
perder-se sozinho no mar.
E se vivo a tempestade
com os olhos cheios de mágoa
não posso esquecer esses rios
que as chuvas enchem de água.
Pergunto-me se sabes
os mistérios entre as linhas…
a fronteira ténue
entre o ir e o voltar…
Se ao menos quando olhas
imaginas,
para além do que é tão óbvio
todo o resto a desvendar.
Pergunto-me onde guardas meus segredos
e em que canto do teu colo,
nas conversas todas por fazer,
sonhando enfim me deito.
Como se o teu corpo fosse
doce dádiva a Apolo…
Como um barco a navegar
num mar perfeito.
Pergunto-me se entendes
o que penso apenas,
quando tornas em manhã
os desejos todos de um olhar.
E se os teus lábios,
como flores, como açucenas,
um dia se farão
outro lugar.
No princípio desejei-te apenas…
e entrei nos teus cabelos
como se a nudez de todos os desejos
pudesse aí perder-se.
Senti nos dedos
a textura dos teus suspiros.
Segurei nos lábios
todos os sabores dos teus segredos.
Naufraguei nesse querer-te,
nesse mar assim profundo…
como se entrar em ti
fosse mais do que saber-me.
E fui com a corrente
no deleite de quem bebe
a água fresca da manhã…
No êxtase de quem respira
como se não houvesse futuro.
Na pressa de encontrar
todas as horas já ditas.
Descobri mundos diferentes
outras vontades de ser
como se outro em mim
apenas vivesse pra ter-te.
E depois…
porventura porque o espaço era pequeno…
encontrei apenas
o medo de perder-me.
Esta noite vou beber
um copo cheio.
Dois ou três, que importa...
que o vinho, quando é a companhia
não pode ficar a meio...
Perdido entre a noite
e o romper do dia.
Vou sentir nos lábios esse açucar
doutros doces que não tenho.
Que às vezes, anestésico,
acorda o meu caminho todo,
Lembra os cheiros donde venho
desde as primeiras águas
ao derradeiro fogo.
Brincam no meu copo
quase vazio,
os teus segredos atrevidos,
a promessa sussurrada
que, como gata perdida no seu cio
me fizeste divertida
com meus olhos fascinada.
Este vinho é portanto uma viagem
um barco leve que navega...
Memória ao leme, o timoneiro.
Os sonhos todos, feitos velas.
E o teu riso, o que sossega
a revolta das memórias,
o medo de perdê-las.
Dá-me a lua, dá-me!
Faz-me sentir um rei.
Pode ser de um deserto, apenas,
De um país pequeno, sem ter lei.
Dá-me o mar, vá lá.
O mar morto, enfim, que seja.
Deixa-me ser um deus, somente.
Um homem sem razão pra ter inveja.
Torna-me o infinito, ao menos...
A loucura toda dos números sem fim.
Pra que os dedos todos deste mundo
sejam poucos pra me contar a mim.
Olha dentro dos meus olhos, fundo...
Coisa pouca que te peço.
Que por estranho que tu aches
eu sinto que mereço.
Que o que mais quero não me dás...
Contrafeito eu entendi:
É voltar atrás no tempo
ao primeiro dia, junto a ti...
Há um cansaço enorme
nas palavras que não dissemos.
Como se enroladas em si mesmas
desafiassem as leis do eco
e se repetissem eternamente
em noites de silêncios.
Há uma angústia em fogo
em todas as carícias que guardámos.
Como se os gestos, nem sequer falhados,
provocassem a lógica da ternura
e em cada dia renascessem
em madrugadas de ausências.
E as pedras do caminho,
outrora grandes e pesadas,
soltam-se em pó nos dias gastos.
Tornam-se improváveis desafios,
doces miragens de outros tempos,
em encontros de abraços, hoje frios.
Estes são os meus cansaços…
Os saltos que não dei ou não quis dar,
os nós cegos dos meus dias.
Nós que antes fortes, apertados,
queimam hoje estes meus pulsos
porque lassos.