domingo, fevereiro 26, 2006

Fado da reencarnação

Ouvi dizer que procuras
no desespero de um fado
os desejos e as loucuras
que viveste do meu lado.

Pois eu te lembro, foi pouco
todo o tempo que passámos.
Foi intenso e foi tão louco
que pra mim nunca acabámos.

Mas o tempo é soberano
e o rio não volta atrás

e terminar foi engano...
nem todo o nó se desfaz.

E a Paixão que vivemos
Ai, vai ficar pra depois...

quando depois de morrermos
nós cá voltarmos, os dois.

Flor de Paranhos, em 25-2-2006

sábado, fevereiro 25, 2006

Flores

Há dias, no dia dos namorados, o amigo Zel brindou-nos com o significado que as flores têm. Claro que, como não podia deixar de ser, muito dizem do amor e da paixão.
Ao lê-lo saíu-me isto que aqui partilho convosco. Melhor compreenderão se souberem o significado de cada flor, o que podem fazer aqui. Espero que gostem.


Plantei duas acácias em teu peito
Esperando que florissem no teu seio,
Na tua boca pus um amor-perfeito
Querendo que o dissesses por anseio.

Begónias e camélias no teu leito
Floriram às centenas. Num enleio
Te acolho em cravo branco de meu preito,
Curvando meu olhar no teu rodeio.

Quis que nesse bouquet - mais que jasmim -
Florissem margaridas, cravos brancos,
Rosas de mil cores, cravos vermelhos,

Tela de glória e fama mas, enfim,
Regadas com as chuvas de teus prantos
Secaram e deram abrigo a escaravelhos.

joão lopes

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Já fui pedinte

Já fui pedinte, errante, não o nego!
Andei de mão estendida, qual mendigo
Esperando umas palavras de aconchego
Na sossegada voz de um ombro amigo.

Um dia em desespero pus no prego
A vontade de ti. Falei contigo:
- Vale-me tanto, amiga, o teu sossego,
Que vou tentar vendê-lo, por castigo!

Vieram mil errantes peregrinos
Pra rematar a tempo esse produto
Que eu queria desfazer dos meus haveres.

Só um malandro, desses magrebinos,
Te quis levar – um homem pouco astuto -
Julgando-te bendita entre as mulheres.

joão lopes

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Dia dos namorados

Hoje acordei com um poema sentado a meu lado...
Insistente e determinado. Revoltado contra mim. Com vontade de negar o Pai e libertar-se das correntes das palavras.
Louco!
Obcessivo e paranoico. A um ritmo infernal suplicou-me a escrita. Os verbos, advérbios e os substantivos todos que encontrasse.

Virei-me para o lado.
Há dias assim... em que não somos capazes de encarar de frente o mais presente dos presentes.

Abanou-me. Beliscou-me e disse: Hoje é dia dos namorados!
E eu quero, exijo! Ser libertado!

Vai! Parte então à procura dos meus sonhos... que eu durmo descansado.

Mas não!
Fiquei o dia inteiro... com um poema atravessado.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Arde em desejo














Arde em desejo o beijo que o ciúme
Queima em desespero e a loucura fez
Soltar-se num braseiro, ardente, em lume
Neste inferno. Sufocante a altivez

Dos olhos que assim me olham: em flume
Agreste, onde nasceu e se desfez
Num mar de ilusões, pranto e cardume
De sentidos, desfeitos na nudez

Das palavras floridas do bravio
Suor do desencanto! Se amanhece
A vida em madrugada nos teus olhos,

Prometendo o doce bafo do estio,
Logo, depressa, tua boca a arrefece
E a faz jazer, serena, em mar de escolhos!

joão lopes

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Os meus 5 sentidos

Este poema é um hino à vida...
Canção breve à cor das coisas.

Que nos olhos ficam, assim gravadas,
as imagens todas das manhãs.

E enquanto inspiro o ar do dia
e me invade o cheiro das maçãs...
sinto na ponta dos meus dedos
a tremura doce e quente
da tua pele macia...

E enquanto bebes o sumo das laranjas
e mordiscas um pouco do meu pão
os pássaros inventam melodias
e sonham com migalhas pelo chão...

Embriaguez subtil dos meus sentidos
nos sentidos todos do acordar...
assim dormente no teu colo
entre o sono e o despertar...

Porto, 9 de Fevereiro de 2006

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A quem confio

A quem confio a vida dos meus sonhos
Que escapam fugidios entre os dedos
Da alma que os inventa e cria? Medonhos
São os suores despertados pelos medos

Que me descobrem, a vida, enfadonhos,
No amanhecer das mágoas e segredos
Ocultos em mim. Presos e tristonhos
Os risos que soaram, enfim, ledos

No doloroso canto de sereia
Que percebi no entardecer das águas
Desse pranto que chega – nunca tarde –

À praia que se estende nesta areia.
A quem confio, agora, as minhas mágoas
Se o fogo onde as queimava já não arde?

joão lopes

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Inquietude na alma

Inquietude na alma de quem espera
O tempo e não alcança outro desejo
Senão tê-lo, mais perto, como a esfera
Do globo em glória mão. Ardente o beijo

Que incendeia o rastilho da quimera
E lança em voo o som de enlevo harpejo,
Valsando no infinito da severa,
O amarra ao corpo que quero e não vejo

Aqui. Jazo e sinto a aridez do frio
Vento que emana de o não querer, jamais,
Em sua boca. E o tempo não avança!

Mas como pára o tempo se é um rio
De amargas ilusões, mananciais
De um doce pesadelo de criança?
joão lopes

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Qual proa











Qual proa de navio, olhar altivo,
Sulcando docemente a maresia
À espera da guarida, de um abrigo,
Nos braços do farol que te alumia!

Abraço-te ao meu corpo já cativo
da saudade, prazer e nostalgia
do mar de teus olhos, que seco e estivo,
Sentindo o teu desejo na porfia.

Acalmo o meu oceano e em tuas velas
Desfralda-se a magia desta brisa
De suave macieza, acolhedora.

Erguendo tuas mãos me vejo nelas,
O teu sorriso, de mansinho, sisa
A paz que eu já julgava duradoura.


joão lopes