terça-feira, dezembro 05, 2006

Os prédios de plasticina...

Este poema...
define a verdade metafísica
dos prédios de plasticina.

Respira
a luz do sol filtrada
pelos filtros do horizonte .

A sempr'eterna luz!

Pretende ser a barreira
das barreiras
do pensamento.

Este poema...
é feito a Deus
(alicerce predial)
e é feito a ti!

É o orgulho nacional
do apátrida sorriso.

É o sal preciso
(justamente o necessário)
para salgar o mar.

Este poema...
é feito a ti,
filtro do sol.

Este poema
dá-se em sacrifício
às águas profundas
da imensidão da superfície.

Porto, 21 de Dezembro de 1980

terça-feira, novembro 07, 2006

Se eu pudesse ao menos

Se eu pudesse ao menos
aprisionar o tempo...
no breve instante
em que as tuas asas, novas, novas,
se abrissem para o céu...

Sobre as asas tu dirás
que não as vê quem ama
na cegueira da paixão...
pois que o digas!

Se apenas um momento,
um momento breve...
e nele,
de súbito saísses
no teu voo inaugural...
enquanto eu ficasse assim,
na prisão da espera.

Como se acaso
tu voltasses algum dia
ao preciso instante em que saíste...

Se eu pudesse ao menos
durante a tua gaia fantasia
guardar os cheiros e as cores da manhã
e os primeiros risos de alegria...

Se eu pudesse ao menos
estancar o sangue
que é a vida!...

E se pudesse...
sei que pedirias
num momento... um dia...
que abrisse a força dos meus dedos...
e então...
em suprema agonia
soprasse em ti a liberdade...

Que acreditasse em ti
e de manhã... bem cedo,
à hora que os pássaros cantam
e a luz invade o dia
eu te visse voar enfim... sem medo!

Pudessemos nós...
ao menos
gerar a vida pela vida...


Porto, 7 de Novembro de 2006, enquanto a filha cresce...

sexta-feira, novembro 03, 2006

e agora já nem vento

E agora já nem vento...
só por sobre os rostos águia.

Ser olhos de rapina
e ténue fogo
por entre os brancos ombros
da montanha.

Um pássaro de sombra
contra o vento,
ou pedra sob o sol
e água breve.

Eu sou um pouco
deste pensamento.
Um pouco deste riso
de esquecer.

Eu sou águia,
o tempo de voar...
mas perdi o tempo
de ser mar!


Porto, 3-7-1980

sexta-feira, outubro 13, 2006

Amo-te Mulher! Só Deus sabe quanto!
Desde quando não sei... e pouco importa!
Sei só que te amo e, deveras, tanto
Que renasceu a vida, em mim, já morta.

Deixaram já meus olhos triste pranto;
E à solidão cerraram, já, a porta.
Meu choro transformou-se em alegre canto,
Já minh’alma tristezas não transporta

Amo-te Mulher, o quanto não sei!
Sei só que te amo e igualmente quero
Esse teu amor ledo, amigo e puro.

E a minh’ alma e meu corpo entreguei
Ao amor que me ofereceste, sincero,
E arrancou a minha vida do escuro!

joão lopes em 1989

terça-feira, outubro 03, 2006

Mar cansado

É tempo de mar cansado!

Acordo...
com o branco nos olhos
e os meus lábios colados
nos teus lábios de tecido.

Vencido...
pela luz calada
da insónia fatigada
fechei os olhos
e perdi o tempo de sonhar
a sonhar em nada.

Está frio!
Está sempre frio
quando acordo
para a luz estremunhada
e o arrepio do teu cheiro
me enche os lábios de nada...

Nada!
Antes tempo
de mar e vento
revoltado!...

9.5.80

sexta-feira, setembro 29, 2006

Quis sentir das tuas mãos
o fim da espera
e inventar em cada instante
a ansiedade
que matando
transformaste no prazer.

Onde vive o meu corpo
senão em ti?!
Onde acalma e luta
cresce e dorme
do que em ti?!

Ouve o grito sussurrado
que te digo:
estes lábios
à procura do infinito.

Porto, 17 de Junho de 1993

segunda-feira, setembro 25, 2006

Dos Amores que eu já vivi,
das Paixões que me queimaram
eu sinto que foi em ti
que os meus olhos encontraram:

firmeza nas pedras duras
e a calma nas tuas águas,
tristeza, palavras puras
aconchego para as mágoas.

Que o Amor pela Cidade
como tu... é doce encanto.
É eterno, sem idade,
é o Fado do meu espanto.

Tu sabes que bem no fundo
quero teu Porto de abrigo.
Posso vir do fim do mundo
que no fim caso contigo.

Ao Porto, Flor de Paranhos, 23 de Setembro de 2006

domingo, setembro 10, 2006

Nas voltas do teu corpo...

Perco-me nas curvas que tens
nas ondas do teu cabelo...
e nas promessas que vens
falar-me de Amor e vivê-lo.

Caio no poço profundo
desses teus olhos escuros
e convenço-me que o mundo
são os teus seios maduros.

Esqueço-me que as horas passam
quando bato à tua porta.
E quando os meus braços te abraçam
só estar contigo importa.

Tudo à volta é cenário
mesmo a música que ouvimos,
contos do imaginário
Feitos do Amor que sentimos...


Porto, 9 de Setembro de 2006

domingo, setembro 03, 2006

Amor ledo, amor triste, amor destino!

Amor mais alto que este no Universo
Somente o amor que Deus p’los Homens sente,
Tão alto que não cabe em simples verso,
Tão ateado e louco é o facho ardente.

Amor sublime, etéreo amor, imerso
Num coração sincero, eternamente;
Brotado deste sonho em mim submerso,
Amor puro, amor cego, amor demente.

Amor ledo, amor triste, amor destino:
Altivo, sonhador, silencioso,
Solitário, vagabundo e cruel;

Amor esculpido em coração felino
P’las mãos de Deus — o todo Poderoso —
Com fogo (não barro) e, em vez de água, fel!

joão lopes em 1989

sexta-feira, julho 21, 2006

Guardo na memória

Guardo na memória de um beijo doce
O paladar do teu corpo que me ata
Ao dia de ontem e como se fosse
Névoa, não deixa ver que, assim, me mata

O hoje e o amanhã. Ah, quem me dera
Que a memória desse dias partisse
Em busca d’outro vale, onde a quimera
Tão doce, quanto o beijo, não fugisse.

Sabes que a música que meus olhos
Te cantaram, floriu em mar de pranto?
E de tanto te sonhar, mas tanto,

Tanto, se evadiu da prisão de escolhos
Que agora a minha voz se transformou
Em memórias que o meu corpo apagou.

joão lopes

quinta-feira, julho 13, 2006

Entre o céu e o inferno

P’ra lá destas montanhas está o mar,
P’ra além daquele céu, a eternidade;
O meu amor p’ra lá do longo amar,
Além de tudo isto: a saudade.

P’ra lá do receber existe o dar;
O meu sonho longe da realidade;
O meu amor p’ra lá do desejar;
O meu ser aquém da felicidade.

P’ra lá da minha alma, o ser amado,
Além desta ilusão: a vida dura,
Longínquo do finito — o ser eterno!

Aqui estou, só; o horizonte afastado.
P’ra lá deste caminho, a sepultura;
Longe daquele céu — o meu inferno!

joão lopes em 1989

segunda-feira, julho 03, 2006

Um beijo

Que um beijo é o encontro de dois rios...
águas outras que se abraçam
que se fundem e amparam.

Como o beijo, nossas mãos
na firmeza do caminho,
dadas...

como nós
na ainda jovem busca
do nosso mar distante.

2005

quinta-feira, junho 29, 2006

Os sonhos

Os sonhos...
são pequenas aves,
pássaros sem casa...
são mistérios próprios de quem espera
e inventa os mundos, outros,
que hão-de ser...

em dias de passagem
de esperança
ou desespero.

Os sonhos,
abominam as gaiolas
e perdem-se no mundo...
soltos,
desdenhando dos seus donos.

São aves famintas,
pequenos pardais perdidos
na loucura dos céus sem fim.

E nós somos como eles...
à procura de quem sonhe...

Lisboa, 29-06-2006

quinta-feira, junho 22, 2006

Quando me olhas

Quando me olhas e dizes: não te quero!
Rasga-se o peito que acolheu a dor
Das mágoas que trazias em pendor
Oferecidas por quem te foi severo.

Dizes-me: Não te amo, não te espero!
Agitam-se meus olhos em langor
E sentem que afinal não foi amor
O amor que me juraste são e vero.

Dizes que não te quero nem desejo,
Nem quis ou desejei um dia atrás.
Se fui, na tempestade, teu abrigo

Agora não vislumbro tal ensejo!
Dizes que eu sou a guerra e tu a paz;
Que foste amiga e eu um vil amigo!

joão lopes

segunda-feira, junho 19, 2006

Feres-me

A tua boca fere-me de morte
Quando me beija com palavras vãs
Inundando minha alma em fraca sorte,
Num ódio cego: secas e vilãs!

São escolhidas, altivas e com porte
Qual nevoeiro cerrado nas manhãs
Impedindo o navio olhar o norte,
agitando o mar cego dos afãs

Que se soltam dos olhos quando sentem
Os ventos que se agitam em tempestade
Terminando a viagem em alto mar.

As palavras que dizes não me mentem
Pedindo que eu não seja mais verdade
Nem farol que segure o teu olhar.

joão lopes

sexta-feira, junho 16, 2006

a nossa casa

O mundo é a casa que fazemos...
e os sonhos que pensamos.
É as voltas e as revoltas do que queremos...
no mistério fundo das certezas e enganos.

Este mundo imenso e tão cruel
onde sós e tristes procuramos companhia
e por isso angústia e mel
no desejo e na vertigem d' alegria.

Assim somos nós...
ocupante provisórios, almas forasteiras
animais cativos em frágeis ratoeiras.

Bombas relógio à espera do momento...
a hora exacta do regresso às águas
em que deixamos a casa p'ra outras mágoas...

Porto, 16 de Junho de 2006

quinta-feira, junho 08, 2006

Mil desejos

Mil desejos, mil sonhos, mil tormentos;
Mil tudos... E, no mesmo ser, mil nadas;
Mil promessas de amor e sentimentos,
P’lo mesmo ser, as mil, atraiçoadas.

Mil sonhos atirados por mil ventos,
Mil achas, p’lo mesmo gume, esfaqueadas;
Sorrisos mil e os mesmos sofrimentos,
Depois das mil palavras esfarrapadas!

Mil sonhos, mil tormentos, mil desejos
E a solidão tão vasta e infinita
nos mil sonhos onde me invento e crio.

Mil ternuras criaram os mil beijos
E, os mil tormentos, essa voz bonita
Que em mil vezes me deu tudo — e o vazio!

joão lopes em 1988

domingo, junho 04, 2006

Traguei pó

Traguei pó, caminhei intensamente
Sobre espinhos e pedras pontiagudas;
Se me falaram, fiz orelhas surdas,
De tudo em meu redor eu estive ausente.

E segui, caminhei, fui sempre em frente.
Seguindo, procurei tuas ajudas,
Mas, as tuas palavras eram mudas
E eu sofri pela surdez de antigamente!

Só a ti via, só a ti ouvia!
Somente agora compreendi que errei,
Por não ter escutado o bom conselho!

Sou uma amálgama melancolia!
As chagas abriram e, eu não parei...
...Irei até morrer, podre de velho!

joão lopes em 1988

terça-feira, maio 30, 2006

Fogo de amor

Num túmulo bem fundo e subterrado,
Onde jamais chegou a luz do dia,
Coloquei um fogo d’amor, que ardia
No peito, já p’las brasas consumado!

Cobri-o... e deixei-o sepultado;
Enquanto a chama a cinza consumia,
Senti a fuga da melancolia
Que antanho fez de mim um assombrado.

E quando o já julgava consumido
Senti que o fogo frio me queimava,
E a tampa, tenebrosamente, ergueu-se:

Ouvindo-se um sussurro e um gemido,
Aproximou-se o vento, de rajada,
E o fogo apagado, reascendeu-se!

joão lopes em 1988

quinta-feira, maio 18, 2006

Nem palavra...

Nem palavra; nem um sinal de vida;
Nem sequer da tua boca o fresco ar;
Nem tão pouco a luz linda desse olhar,
Nem breve adeus, naquela despedida!

Nada!... Estás longínqua, talvez perdida;
Nada!... Resta-me, apenas, o sonhar;
Nada mais, que em mim possa perdurar,
Senão o sonho e a chaga duma f’rida!

Nem sei se vale a pena a realidade:
Ter a luz de teus olhos, que me cega;
Ter-te aqui, a meus olhos, não sonhada!

Mesmo assim, não te tenho de verdade,
O que minh’alma quer, tua boca o nega;
Nem sei se quero a ti, se quero o nada!...

joão lopes em 1988

sexta-feira, maio 05, 2006

Sonhar

Navego no teu corpo turbulento,
Deslizo numa jangada perdida
Arrastada pela água e pelo vento,
Descendo vertiginosa descida.

Cavalgo no teu corpo contra o tempo
C’um cavalo de crinas cor de vida,
D’olhos grandes, da cor do sentimento,
Que corre em vertiginosa corrida.

Perco-me nos teus braços, não o nego!
Minha boca é abrasada por teus beijos;
Tudo isto é um sonho permanente!

Não me perco, cavalgo ou navego,
Mas, se o sonhos saciam meus desejos,
Então, quero sonhar eternamente!

joão lopes em 1987

quarta-feira, abril 26, 2006

As lembranças que nunca vivas...

Como fazer-te ver a força dessa luz
A ti, que nunca viste a bruma e as negras sombras?!
Como descrever-te o fio que conduz
A certa madrugada... cor da esperança?!

Peço-te por tudo que não esqueças
As lembranças que espero nunca tenhas.
Sobretudo, peço-te: mereças
A liberdade toda que o teu olhar agora alcança.

Hoje jantas à mesa dos teus sonhos
Porque tê-los é doce e já possível.
Mas não esqueças que é tão frágil este vidro...

Que este cravo que te ofereço, rubro...
Sendo hoje certo e apetecível
Porque fácil, tão presente... corre perigo.

para a Joana, 25 de Abril de 2006

terça-feira, abril 25, 2006

Os olhos de quem ama


Os olhos de quem ama são macios
E as palavras que dizem jamais cruas;
As mãos suaves, deixam entre os rios
De carinhos esvair doçuras tuas.

Os braços de quem ama não são frios,
São quentes: sóis de dia, à noite luas,
Aquecem-me nos mistérios vadios
Quando me enlaçam nas carícias nuas

Da pele que me excita o desejo forte
De te ter minha, ao menos uma vez,
Em gemidos sofridos de prazer.

Seguindo o teu hálito busco o norte
Onde escondes o amor que um dia fez
De ti – e em meus braços - uma mulher!


joão lopes

quinta-feira, abril 20, 2006

Noite e sonhos

A noite caiu já!... Suavemente
O negro manto arrastou-se e desceu,
O silêncio prantou-se, tristemente
Um coração magoado adormeceu!

Das brumas do amor, de longe se ergueu
O sonho que alimenta eternamente,
Vagueou p’la noite escura como breu
E uma alma envolveu tão docemente

E o sonho saciou, deu alimento
Arrastando os delírios de um amor,
Que em nada à alma trouxe maus assombros!

Fez-se luz e partiu do pensamento;
O dia foi trazendo o dissabor
Que o sonho deixa ao transformar-se em escombros.

joão lopes em 1989

sexta-feira, abril 14, 2006

Santa Páscoa

Trouxeste em Ti um pedaço dos Céus!
Trazias na voz o perdão para dar;
Num rosto d’Homem o rosto de Deus;
No olhar suave, uma fome de Amar.

Sandálias com pó nos pés que são Teus
E as mãos abertas para oferecer
Até, se preciso, os Teus simples véus,
Vestindo um corpo feito p’ra morrer,

E um coração bom p’ra ser trespassado.
Tu foste a dádiva do Pai p’ra nós,
Tu foste o Amor feito um raio de Luz!

Porque amavas tanto, f’riram Teu lado;
Por falares demais, calaram-Te a voz;
Por incomodares, pregaram-Te à Cruz!

joão lopes em 1989

sábado, abril 08, 2006

Como um barco

Como um barco assim cheguei
na calma ondulação das tardes
e a ti eu aportei...

E lento eu desfiz
a armação das velas e te amei
enquanto o sol brilhava...

E nas gotas que ficaram
nas curvas do teu corpo
dos suores de nós...

Reentrei firme e fundo
e nessas águas inventamos
o caminho para casa...

domingo, abril 02, 2006

De onde vem a amargura

De onde vem a amargura que devassa
O adocicado palato do alento
Que sinto esvair-se e sai, pela vidraça,
Dos frios olhos, na chuva do tempo

Que a vida é? O cansaço perpassa
Pela janela clara do violento
Rosto que é o meu, jazendo sem graça
Ao sol, à chuva, às agruras do vento:

Gelado e forte, faz dobrar os sinos;
Clamam, alto, pelo nome de quem ama
O leito agreste e frio onde se acalma

A dureza implacável dos meus hinos;
Porque arde o fel na boca e amarga a chama
Que trago em remoinho na minh’ alma?

joão lopes

sábado, março 25, 2006

Carrego teus odores

Carrego teus odores em meu regaço,
O hálito de teu corpo em minha mão,
Na vida de teus beijos me desfaço
No antro que há-de ser minha perdição.

Os sons que guardo, louco, neste espaço
Cavernoso e pulsante – o coração –
São como imagens eternas que abraço
Na resguardada esperança da ilusão

De te possuir um dia, outra vez,
Com todos os sentidos que me atam
às amarras do sonho já desfeito.

Há nas relíquias, ainda, a altivez
Das palavras que me ferem e matam
A esperança que alimentava o meu peito.

joão lopes

domingo, março 19, 2006

Verbo amar

Há um verbo que eu quero em abundância
Dizer hoje e sempre, na vida inteira,
(Fazê-lo suavemente, qual fragrância)
Na singular pessoa que é a primeira!

Um verbo que quero ouvir com muita ânsia,
Como se a hora fosse a derradeira,
Que o digas apartada de arrogância
E ao dizê-lo a alma seja verdadeira.

Há um verbo que quero no presente,
Como se ouvido no tempo passado
Não tivera o mesmo som a acolhê-lo:

Porque o amor no passado está ausente.
Pois que me vale a mim ter sido amado
Se hoje não sinto, nada, estar a sê-lo?

joão lopes

quinta-feira, março 16, 2006

Quisera um dia


Quisera um dia o sol não ter brilhado,
Eu perguntei-te, Lua, que era feito
Da luz que havia sempre iluminado
Um dia após o outro sempre a eito?

Esperei dessa resposta o resultado
Do que dirias tu desse defeito
E só ouvi um grito de soldado
Que parte para uma guerra contrafeito.

Não ouvirás de mim outro queixume
Das lembranças que guardo em relicário
De oiro, embebido de incenso e perfume.

Não brilhe mais o sol no santuário
da voz que trazes presa ao teu ciúme,
Nem Lua sejas mais no meu calvário!

joão lopes

quinta-feira, março 09, 2006

Vagueia o pensamento

Vagueia o pensamento que não larga
O teu sorriso lindo da memória
Que oculto no peito. Disseste, amarga,
O Adeus das vãs promessas de uma história

Escondida dos olhares, em velha adarga,
Que tingimos de tinta, amor e glória
Estéril. Sucumbe e apodrece na varga
O teu e o meu desejo de vitória.

O tempo não apaga o louco afã
Onde sufoca o condenado grito
Que não queres ouvir. Negro o véu e choras

A distância que entre a noite e a manhã
Existe. Fecha-me o céu, mata o mito
De dizeres ao ouvido que me adoras.

joão lopes

sábado, março 04, 2006

Fado da Vida breve

Tristezas não pagam dívidas
diz o povo com razão.
Porque vidas mal vividas
são pecados sem perdão.

Porque noites sem sonhar,
são como barcos sem velas.
São como querer navegar
e não ter ar para enchê-las.

Olha pra mim, fixamente
e lê o meu coração,
descobre nele a paixão.

E vamos os dois finalmente
reinventar a loucura
que a vida é breve, não dura...

domingo, fevereiro 26, 2006

Fado da reencarnação

Ouvi dizer que procuras
no desespero de um fado
os desejos e as loucuras
que viveste do meu lado.

Pois eu te lembro, foi pouco
todo o tempo que passámos.
Foi intenso e foi tão louco
que pra mim nunca acabámos.

Mas o tempo é soberano
e o rio não volta atrás

e terminar foi engano...
nem todo o nó se desfaz.

E a Paixão que vivemos
Ai, vai ficar pra depois...

quando depois de morrermos
nós cá voltarmos, os dois.

Flor de Paranhos, em 25-2-2006

sábado, fevereiro 25, 2006

Flores

Há dias, no dia dos namorados, o amigo Zel brindou-nos com o significado que as flores têm. Claro que, como não podia deixar de ser, muito dizem do amor e da paixão.
Ao lê-lo saíu-me isto que aqui partilho convosco. Melhor compreenderão se souberem o significado de cada flor, o que podem fazer aqui. Espero que gostem.


Plantei duas acácias em teu peito
Esperando que florissem no teu seio,
Na tua boca pus um amor-perfeito
Querendo que o dissesses por anseio.

Begónias e camélias no teu leito
Floriram às centenas. Num enleio
Te acolho em cravo branco de meu preito,
Curvando meu olhar no teu rodeio.

Quis que nesse bouquet - mais que jasmim -
Florissem margaridas, cravos brancos,
Rosas de mil cores, cravos vermelhos,

Tela de glória e fama mas, enfim,
Regadas com as chuvas de teus prantos
Secaram e deram abrigo a escaravelhos.

joão lopes

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Já fui pedinte

Já fui pedinte, errante, não o nego!
Andei de mão estendida, qual mendigo
Esperando umas palavras de aconchego
Na sossegada voz de um ombro amigo.

Um dia em desespero pus no prego
A vontade de ti. Falei contigo:
- Vale-me tanto, amiga, o teu sossego,
Que vou tentar vendê-lo, por castigo!

Vieram mil errantes peregrinos
Pra rematar a tempo esse produto
Que eu queria desfazer dos meus haveres.

Só um malandro, desses magrebinos,
Te quis levar – um homem pouco astuto -
Julgando-te bendita entre as mulheres.

joão lopes

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Dia dos namorados

Hoje acordei com um poema sentado a meu lado...
Insistente e determinado. Revoltado contra mim. Com vontade de negar o Pai e libertar-se das correntes das palavras.
Louco!
Obcessivo e paranoico. A um ritmo infernal suplicou-me a escrita. Os verbos, advérbios e os substantivos todos que encontrasse.

Virei-me para o lado.
Há dias assim... em que não somos capazes de encarar de frente o mais presente dos presentes.

Abanou-me. Beliscou-me e disse: Hoje é dia dos namorados!
E eu quero, exijo! Ser libertado!

Vai! Parte então à procura dos meus sonhos... que eu durmo descansado.

Mas não!
Fiquei o dia inteiro... com um poema atravessado.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Arde em desejo














Arde em desejo o beijo que o ciúme
Queima em desespero e a loucura fez
Soltar-se num braseiro, ardente, em lume
Neste inferno. Sufocante a altivez

Dos olhos que assim me olham: em flume
Agreste, onde nasceu e se desfez
Num mar de ilusões, pranto e cardume
De sentidos, desfeitos na nudez

Das palavras floridas do bravio
Suor do desencanto! Se amanhece
A vida em madrugada nos teus olhos,

Prometendo o doce bafo do estio,
Logo, depressa, tua boca a arrefece
E a faz jazer, serena, em mar de escolhos!

joão lopes

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Os meus 5 sentidos

Este poema é um hino à vida...
Canção breve à cor das coisas.

Que nos olhos ficam, assim gravadas,
as imagens todas das manhãs.

E enquanto inspiro o ar do dia
e me invade o cheiro das maçãs...
sinto na ponta dos meus dedos
a tremura doce e quente
da tua pele macia...

E enquanto bebes o sumo das laranjas
e mordiscas um pouco do meu pão
os pássaros inventam melodias
e sonham com migalhas pelo chão...

Embriaguez subtil dos meus sentidos
nos sentidos todos do acordar...
assim dormente no teu colo
entre o sono e o despertar...

Porto, 9 de Fevereiro de 2006

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A quem confio

A quem confio a vida dos meus sonhos
Que escapam fugidios entre os dedos
Da alma que os inventa e cria? Medonhos
São os suores despertados pelos medos

Que me descobrem, a vida, enfadonhos,
No amanhecer das mágoas e segredos
Ocultos em mim. Presos e tristonhos
Os risos que soaram, enfim, ledos

No doloroso canto de sereia
Que percebi no entardecer das águas
Desse pranto que chega – nunca tarde –

À praia que se estende nesta areia.
A quem confio, agora, as minhas mágoas
Se o fogo onde as queimava já não arde?

joão lopes

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Inquietude na alma

Inquietude na alma de quem espera
O tempo e não alcança outro desejo
Senão tê-lo, mais perto, como a esfera
Do globo em glória mão. Ardente o beijo

Que incendeia o rastilho da quimera
E lança em voo o som de enlevo harpejo,
Valsando no infinito da severa,
O amarra ao corpo que quero e não vejo

Aqui. Jazo e sinto a aridez do frio
Vento que emana de o não querer, jamais,
Em sua boca. E o tempo não avança!

Mas como pára o tempo se é um rio
De amargas ilusões, mananciais
De um doce pesadelo de criança?
joão lopes

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Qual proa











Qual proa de navio, olhar altivo,
Sulcando docemente a maresia
À espera da guarida, de um abrigo,
Nos braços do farol que te alumia!

Abraço-te ao meu corpo já cativo
da saudade, prazer e nostalgia
do mar de teus olhos, que seco e estivo,
Sentindo o teu desejo na porfia.

Acalmo o meu oceano e em tuas velas
Desfralda-se a magia desta brisa
De suave macieza, acolhedora.

Erguendo tuas mãos me vejo nelas,
O teu sorriso, de mansinho, sisa
A paz que eu já julgava duradoura.


joão lopes

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Como o fogo e a palha...









Como o fogo e a palha ... assim se olham
na minha inquieta alma
o desejo e a calma...

Como o ar e a chama ... assim se dizem
nos sobressaltos do meu riso
a loucura e o siso...

E as pastagens dos meus rebanhos,
as águas quentes dos meus banhos,
são assim saudades,
mil desejos e vontades...

de cedo... ansioso e nunca breve
adormecer contigo,
no silêncio de quem ama,
lado a lado em tua cama...

Funchal, 27 de Janeiro de 2006

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Gasto meus olhos em ti

Gasto meus olhos em teu corpo lindo
E fico cego nesse louco olhar!
Já nada vejo e, tacteando o ar,
Perco minhas mãos nesse espaço infindo!

P’ra não te ouvir, sinistramente rindo,
Os meus ouvidos cessam de escutar
E o meu nariz suspende o inspirar,
P’ra não saber p’lo ar que tu vens vindo.

Piso a minh’alma, rasgo os meus sentidos,
Arranco deste ser o coração,
P’ra não voltar, jamais, o insano amor;

Atiro à terra os sonhos já perdidos,
Desfaço no meu ser toda a ilusão
Que outrora fez de mim um sonhador!


joao lopes em 1988

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Porque o tempo voa e morde...


A minha filha Joana...











Porque o tempo voa
e desfaz
os rápidos momentos de ternura
dos meus sonhos de rapaz...

Porque o tempo morde
e segura
as loucuras breves dos teus dedos
nos meus gritos de loucura...

E o tempo...
esse bicho ágil e febril
produz de quando em quando no teu seio
rios longos... águas mil...

e as águas... oceanos de aventuras
são a filha que geramos,
a semente que germina
as verdades e os enganos...

Porque o fim é afinal
a corda eterna do brinquedo...
o círculo mágico da vida,
esta trama e este enredo...

Sobre a Carmen... à minha filha Joana
Porto, 19 de Janeiro de 2006

terça-feira, janeiro 17, 2006

Deste Branco

Deste branco fica sombra
a tinta derramada,
todo o corpo consumido,
pela vaga esfarrapada.

Deste branco resta esperança
a pomba por voar.
Desse fundo dos teus olhos
a paz plena a conquistar.

Cor dos sonhos puros,
dos frutos proibidos.
Universo onde entrar
pela porta dos sentidos.

Espuma breve que perdura,
neve fria que me aquece
fugaz posse de quem foge
virgem pura que apetece.

De lá tudo
luz que cega na chegada.
P’ra lá tudo
luz que acalma na partida.
Berço e esquifo
eterno círculo,vida, morte e nova vida.

Eduardo Leal, 1993

sábado, janeiro 14, 2006

Tu

Ó luz divina! Ó bela melodia,
Que me queimaste com a chama quente,
E, ardendo nela, eu fiquei presente
Somente na cinza que ali ardia.

Tu, mais clara e bela que a luz do dia
E, tão clara, fazes a noite ausente;
Teu corpo vai falando eternamente,
Teu nome quer dizer sabedoria!

Quem és tu, afinal? És anjo ou mulher?
Da terra?! Se a terra não dá sequer
Um pouco dessa luz à Natureza.

És anjo puro, caído dos céus
E, ao ver-te, saciei os olhos meus
Com essa luz ! Oh bela, oh linda deusa!
joao lopes em 1988

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Veloz vai pelo espaço...

E se o Camões vivesse hoje?! Lembrar-se-ia de Leonor? ou trocaria os seus Amores pela formosa menina pela crítica ao mau da fita (tipo G. Bush)?

Veloz, vai pelo espaço
a nave de fibra pura.
Vai veloz e bem segura.

Leva na cauda motores
e nas asas reactores.
Tem farois de luz que encanta,
tão linda que o mundo espanta.

Leva lasers preparados
para os homens dominados.
Leva a guerra e a morte canta...
Tão linda que o mundo espanta!

Eduardo Leal, 1980

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Estranha embriaguez

Que estranha que era aquela embriaguez;
Não de vinho, ou outro álcool qualquer,
Mas dum fel tão amargo de beber,
Que me tirou, se eu a tinha, a altivez!

Aquela era diferente, e não me fez
Cantarolar, mas lágrimas verter
Não me deu mais visão, fez-ma perder
E a estes meus ouvidos deu surdez!

Não vejo, já, mais nada à minha frente,
E, se me falam eu torno-me ausente
P’ra depois não dar voz ao coração.

Oh! Que estranha! Oh! Que estranha era a bebida
Que eu traguei e amarguei na minha vida...
...No cálice do amor, bebi paixão!

joão lopes em 1988